Carta 024 - Tempos e épocas

Querido Joaquim,

Uma coisa muito importante aconteceu em nossa cidade na última semana: a extinção das charretes. Embora a lei ainda esteja em estruturação, elas ainda vão circular por alguns dias, mas o fim está próximo. Antes de relatar o que, de fato, aconteceu, peço licença para te explicar algumas coisas nessa cartinha: 

"Charrete" (diminuição do termo "carro", em francês) é o nome de um veículo antigo de madeira, puxado por animais,  que remonta ao antigo império da Mesopotâmia (o berço da invenção da roda). Durante séculos, elas foram utilizadas em guerras e para o transporte de coisas. Até então, não existiam rodas e a tração era feito a rasto.

Decidiram depois, Joaquim, utilizar animais para puxar essa carga: bois, cavalos, bodes. Resumindo grosseiramente a história, daquele tempo até os dias de hoje, elas foram se adaptando, modificando suas ergonomias e deixaram de ser veículos de guerra para servirem também a desejos particulares de locomoção e transporte. Do conforto inicial da burguesia, migraram depois à população em geral, até se tornarem, em nossa cidade, uma atração turística.

Até aí, Joaquim, tudo bem. O problema está à frente - literalmente: quem fazia todo o esforço para puxar o peso de uma cabine pesadíssima, cheia de pessoas e cargas era, majoritariamente, um cavalo! Não é estranhíssimo pensar nisso hoje, no ano de 2025? Antes, achávamos isso normal, sabia? 

Coisas do tempo, das épocas, das transformações.

(...)

Pois é isso, Joaquim: tradições nascem e morrem, mas essa demorou a morrer em nossa cidade. Talvez o que tenha demorado ainda mais a nascer foi a nossa consciência. Hoje entendemos o quão desgastante essa prática é para os cavalos. Vemos o quanto é cruel o sofrimento que nós, humanos, propiciamos a eles. Num primeiro momento, por uma, digamos, necessidade; depois, por mero luxo e exploração.

Cavalos merecem a liberdade que buscamos, merecem o conforto que almejamos, o descanso que deles é tirado à força para trabalhar de sol a sol, sem que eles saibam o que é... trabalho.

E é por isso, Joaquim, que o que aconteceu em nossa cidade na última semana é muito importante: depois de muita luta, vereadores e o Poder Executivo conseguiram aprovar uma nova legislação que, entre outras medidas, institui uma espécie de charrete elétrica.

Agora, meu sobrinho, as pessoas que quiserem passear por nossas ruas olhando a cidade de outra maneira, terão a oportunidade de isso fazer por meio de um veículo sem animais, movido a energia limpa e sem fazer nenhum outro ser vivo sofrer.

Tudo graças ao esforço de muitas pessoas do poder político, que entenderam que a história deve evoluir para um futuro mais gentil. Entre essas pessoas, o rapaz que está ao seu lado nessa foto: alguém da sua própria história, primo de sua mãe - seu primo. 

Guarde este momento. É a prova de que a luta pela justiça e pelo respeito aos animais nunca é em vão. Ela pode tardar, mas jamais vai falhar.



Com carinho,
Tio/Padrinho Matheus.
14 dez. 25