Sim, falta muito!
Hoje eu descobri que sou imune a discursos excessivamente motivadores e fantasiosos. Mais do que isso: descobri que sou movido a sinceridades. No início de uma corrida que participei, após ouvir gritos de "bora, bora, bora!", a única coisa que vinha à minha cabeça era: "pra onde, pra onde, pra onde?". Eu sei, eu sei: numa reunião de corredores amadores desconhecidos, é só o que pode ser dito às vezes.
Uma competidora, no entanto, contrariou essa regra. Ao se encontrar com uma conhecida na mesma reta - porém em momentos diferentes da corrida - ouviu a seguinte indagação:
— Ainda falta muito?
Sem pestanejar, disse de pronto:
— Sim, falta muito!
Caramba, genial! Ela podia dizer um milhão de coisas que podiam entusiasmar a nobre colega, como "imagina, tá quase" ou "bora lá, você consegue".
Preferiu jogar logo a real. Sim, o trajeto estava longe do fim.
Um pouco antes desse diálogo, ao subir com dificuldade um morro alto — que antecipava outro morro ainda mais desafiador —, ouvi de outra colega:
— Não olha pra frente para não desistir!
Ao visualizar o que viria pela frente - contrariando a sentença da minha oponente — a única coisa que pensei foi: "é, até pra desistir eu vou precisar percorrer essa distância. Então... bora, bora, bora!"
Percebi, então, que se fosse eu a moça do questionamento do suposto término da corrida, eu talvez até ganharia um ânimo novo com a resposta, um gás, afinal, era de uma dose de realidade que eu precisava.
A que me sugeriu não olhar o trajeto futuro e inevitável, sem querer também me encheu de coragem e resiliência. Coisa que nenhum suplemento barato me traria como impulso original.
Ah, a realidade - sempre ela. Muito mais convincente que um "Eye of The Tiger" estralando em uma caixa de som furada!
