Carta 022 - A saudade e a nova rotina
Querido Joaquim,
Em poucos dias, você terá a sua rotina modificada. Mas por um motivo absolutamente natural: depois de alguns meses em dedicação exclusiva a você, sua mãe voltará ao trabalho. Nesse período, você vai ficar sob a responsabilidade da vovó Inês, do vovô João e da dinda Lívia.
Eu sei, eu sei. Talvez nesse primeiro momento - tanto para você, quanto para sua mãe - essa nova rotina pode parecer estranha. Será difícil romper esse laço tão bonito que une vocês dois. Certamente essa linha não se romperá, apenas ganhará tamanho, esticando como um elástico e fazendo com que sua mãe se sinta conectado a você, mesmo longe.
Longe também é uma palavra muito forte. Digamos que vocês estarão em esquinas diferentes. Em poucas horas, toda a relação que construíram até aqui volta ao normal, como num passe de mágica.
Faz parte da vida, Joaquim, não termos o que queremos sempre, todo dia, a cada minuto. Na verdade, são essas ausências que nos fazem presentes. Um poeta que seu tio tanto gosta já nos ensinava:
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
[Carlos Drummond de Andrade]
(...)
Você vai perceber, um pouquinho longe de sua mãe, o quanto é bom ficar ao lado dela. Ela, por sua vez, perceberá o amor que tem por você ainda maior, pulsante, crescente, palpitante. As horas em que ficarão longes um do outro serão séculos se olharmos para o relógio comum; serão minutos, entretanto, se olharmos para a conexão que vocês têm e terão.
Aproveite muito essa fase! Brinque com sua vovó, com seu vovô, com sua dinda.
Durma à vontade - o mundo pode estar em perigo, mas o seu, em específico, é só amor e paz. Coma tudo o que for necessário comer - a fase em que se encontra, meu sobrinho, exige uma boa alimentação. Usufrua do tempo com dedicação e cuidado - aliás, Joaquim, em relação ao tempo, só percebemos o seu valor quanto não o temos mais.
Por isso, sinta saudade. Não só agora, mas sempre. É dela que tiramos força para propor reencontros. É dela que desfrutamos quando precisamos de uma companhia - ainda que seja a nossa. É por ela que construímos relações longínquas.
É por meio dela que ligamos, nos falamos por vídeo... que escrevemos cartas.
30 nov. 25
