Carta 017 - Seu tio foi ver o Humberto

Querido Joaquim,

Hoje essa cartinha está sendo escrita dentro de um ônibus. Estou voltando de uma viagem que fiz a Campinas, uma cidade não muito longe de Poços de Caldas, nossa cidade natal. Essa cartinha falará mais de mim do que você, mas nela, você vai conhecer um pouquinho de um cantor e compositor de quem seu tio é muito fã - e para o qual essa viagem foi motivada.

Seu nome? Humberto. Seu sobrenome? Gessinger. Não é lá um nome muito fácil de pronunciar, eu sei, e há quem diga que também não seja um artista lá muito previsível. Eu concordo. Há muitos que o amam, outros tantos que o detestam. O estilo de música que toca e canta pode encantar ou desencantar. Seu tio é um dos que amam e um dos que se encantam por cada acorde tocado, por cada palavra pronunciada.

Quando nasci, Joaquim, ele já fazia sucesso em uma banda chamada "Engenheiros do Hawaii". Aliás, no ano do meu nascimento, ele lançava junto de seu grupo um dos meus álbuns favoritos: o "Simples de Coração" ("um dos piores álbuns do grupo", segundo a crítica).

Perceba, Joaquim, que na música - e em qualquer outro lugar - é difícil agradar a todos. E mais: nem sempre o que gostamos é aquilo que as outras pessoas gostam. 

Paciência. Demorei a entender isso, e só agora, velho, é que perdi essa insegurança de assumir minhas vontades e contradições.

Importante é não perder a nossa individualidade e escolher aquilo que nos agrada, né? Não importando o que as pessoas pensam. Nossas predileções merecem ser sempre revisitadas. 

(...)

O Humberto surgiu em minha vida por meio de um estojo de CDs que meu pai (o vovô Toninho) achou na rua, perto aqui de casa, e que continha uma mídia original do álbum de 2004 "Acústico MTV". Me lembro também de ter ouvido "Toda Forma de Poder" e "Terceira do Plural, em aulas de geografia da minha professora Juliana Câmpoli. 

De lá pra cá, passei a acompanhar a carreira do Humberto - e as mudanças que ela anunciava: sua breve carreira de escritor que me fascina até hoje, as formações novas que surgiam de tempos em tempos, as reflexões anunciadas em redes sociais e, especialmente, a criação e término da minha banda favorita: o duo "Pouca Vogal", com o também músico Duca Leindecker, uma mistura com "suingue esquisito e sem nada igual" - que durou apenas 4 anos.

(...)

Talvez você, Joaquim, vá se encaixar no grupo de pessoas que não gostam do som que o Humberto faz. Talvez, por influência do seu tio, até goste no início, mas depois prefira outras intenções musicais. Talvez você queira ser fã como eu - ou até mais. 

Uma coisa importa mais do que tudo: jamais seja aquela pessoa, Joaquim, que despreza o diferente, aquilo que parece estranho. Nem aquela pessoa que só dá atenção ao que a maioria proclama. Ao contrário, consuma o diferente, perceba as suas peculiaridades, vá atrás de novas visões e acolha as discrepâncias. 

Só depois tire as suas conclusões: "tal banda é ruim, tal comida é estranha, tal pessoa é desagradável."

Quando nos fechamos em nosso círculo de afeições - menosprezando o que há fora de nossas esferas interiores - o mundo fica menor, menos interessante.

(...)

Gosto do Humberto também porque ele sempre foi um cara tímido - o que é estranho para um artista midiático como ele, eu sei, mas até isso faz parte do jogo. 

Intelectual, obsessivo por linguagem, Humberto sempre escreve suas canções como quem joga xadrez. Por vezes, irônico; em outras, discreto.

Suas letras não entregam tudo de cara. Ao contrário, deixam que nós criemos teses e especulações sobre elas.

Método é um bicho que ele persegue em tudo, pois é disciplinado e profundamente preocupado com o que emite - seja em sons, palavras ou gestos. Chamado de “cabeça” do rock brasileiro - pelo tipo de letra mais analítica e profunda - traz uma montanha de referências literárias em suas músicas. 

Você vai amar conhecer todas elas, não tenho dúvidas!

Ele adora arquitetura, toca vários instrumentos, tem vergonha de dar entrevista, foge de polêmicas e assiste à Missa do Galo. Sua aura transgressora de um jovem em início de carreira perdeu lugar para uma postura observadora de um senhor de mais de 60 anos e que vai ser vovô em breve.

Humberto diz apagar as luzes da casa quando o sol se põe, diz adorar seguir as leis e não é lá muito fã de cinema. Entretanto, é um fã fervoroso de Bob Dylan e Roger Waters, outros grandes músicos e compositores internacionais

Jogou tênis por muitos anos, criou formações icônicas nos projetos que encabeçou, caminha livremente entre o som plugado e o som acústico e  tem mais de quarenta anos de estrada.

(...)

Há muito o que dizer dele, Joaquim. E há muito o que ainda é possível descobrir dele. Não só porque seu tio é fã, mas porque trata-se de um cara diferente mesmo.

Uma de suas canções mais icônicas tem a ver com o que estou visualizando agora, daqui de dentro do ônibus. E que revela, como metáfora - para encerrar essa cartinha - o que tento perseguir todos os dias.

Mas não precisamos saber pra onde vamos
Nós só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos
Nós só queremos viver
Sem motivos, nem objetivos
Estamos vivos e isto é tudo

[...]

Não queremos lembrar o que esquecemos
Nós só queremos viver
Não queremos aprender o que sabemos
Não queremos nem saber
Sem motivos, nem objetivos
Estamos vivos e é só.


Deixo um pedido para sua mãe: que você ouça esse álbum algum dia dessa semana. É lindo! Quando tiver brincando, quando tiver tranquilo, quando tiver a fim.

Seu tio foi ver o Humberto. De perto. E adorou!

Com carinho,
Tio/Padrinho Matheus.
26 out. 25