Vice-versa
De longe, trinta anos parece pouco. De perto, parece muito. E vice-versa. É que linhas do tempo, você sabe, nem sempre são retas, visíveis a olho nu. Quase sempre são curvas microscópicas que jamais se transformam em círculos, como retas que dançam em direções contrárias, alheias aos movimentos adjacentes.
Perpendiculares, as estradas da vida dão as caras sempre que algum ciclo novo se inicia - o que, por consequência, significa dizer que tantos outros terminam, ao mesmo tempo, num abismo sem fim. Nada dura para sempre, inclusive o tudo.
Ciclos finalizados são como arquivos na lixeira de um computador: basta um gesto simples para que eles retornem aos lugares de origem.
Há quem acredite que exista um buraco no planeta onde se guardam as trajetórias descontinuadas. Eu prefiro achar que todas elas continuam a perambular cidades afora como pássaros nômades à procura de sombra e água fresca. Para nos mostrar que as bandeiras do tempo estão sempre lado a lado, tremulando sob o mesmo vento, numa mesma altura, só que em mastros diferentes.
Penso que a única coisa que nos iguala é a conservação dos fatos e a estabilidade dos acontecimentos que afetam de maneira semelhante a macro esfera.
Tá legal, saber de onde viemos e para onde vamos é um mistério que circula a aura humana. É e sempre será um enigma intransponível. Quem, por alguma razão, tenta dar nome às esquinas por onde passa, às ruas por onde pisa, aos bairros e mundos que frequenta nem sempre sai satisfeito dessa missão - pra não dizer que esse cara sai bufando por aí, xingando a vida e quem dela faz parte.
Melhor deixar pra lá.
(...)
Meus trinta anos revelam que três papas foram meus contemporâneos.
Meus trinta anos revelam que cinco presidentes governaram o país onde moro.
Meus trinta anos revelam que apenas uma moeda circulou por aqui.
Meus trinta anos revelam ao menos uma tentativa expressa de golpe de estado no Brasil.
Meus trinta anos revelam que vivi a popularização da internet, fenômeno do qual me alimento hoje produzindo textos e trabalhos.
Meus trinta anos revelam que meus olhos viram dois grandes telescópios em ação no Universo: o Hubble e o James Webb.
Meus trinta anos revelam que a humanidade já foi capaz de fotografar um "buraco negro". E por mais de uma vez.
Meus trinta anos revelam a existência de muitos ataques terroristas que mudaram e mudam a história do mundo.
Meus trinta anos revelam mudanças econômicas, oportunidades e crises nos quatro cantos do globo.
Meus trinta anos revelam a primeira pandemia da qual fiz parte e, em seguida, a revolução experimentada pela ciência na fabricação e distribuição de vacinas.
Meus trinta anos revelam a continuidade e o início de muitas guerras espalhadas pelos continentes.
Meus trinta anos revelam dados de um planeta mais quente, de florestas mais desmatadas e de uma era sombria que será nosso plano de fundo para a posteridade.
Meus trinta anos revelam a ascensão meteórica da Inteligência Artificial, que será sabe-se lá o quê num futuro próximo.
Meus trinta anos revelam que...
é melhor parar por aqui.
Ainda é só o começo, né? Ou o fim. E vice-versa.
![]() |
"impérios ruíram flores brotaram nos 3 minutos de uma canção" [Nei Van Soria] |
24 fev. 25