O cais e o caos

A gente não dá a merecida atenção, mas sempre têm histórias que não deram certo mais interessantes que as deram, né? São fracassos bem sucedidos, eu diria. Aliás, são esses os momentos que mais me despertam fascínio. Me interessam mais, confesso. Ou melhor: me ensinam mais, pois são mais didáticos, fáceis de entender, distantes de qualquer tipo de ostentação.

Sempre acreditei na máxima de que há vilões mais humanos que heróis. Talvez por isso alguns deles possuem tanto charme. A imperfeição é a mola mestra do afeto, a base que edifica o mistério. Histórias irritantemente perfeitas até abrem caminhos, mas sem volta. Uma frase depois e a elegância está catapultada. Fim da incógnita.

(O caos tem lá os seus predicados. Pelo menos, deixa a memória mais viva. Pelo menos, dá mais sabor aos que conseguem encontrar a paz. Pelo menos, dá nome aos infortúnios).

Partindo do que disse um dia o famoso compositor brasileiro, se "no Brasil, sucesso é ofensa pessoal", fracassar então é uma glória coletiva. Que alegria saber que há lugar também para àqueles que desistem ou para àqueles que decidem atracar o barco ao cais de vez em quando.

E por falar em barco, Ernest Shackleton é um exemplo nesse quesito de fracassados com sucesso. Persistente, o navegador irlandês é detentor de uma série de revés. O maior deles — vivido em sua obsessiva tentativa de alcançar o Polo Sul — culminou na destruição de seu navio e no início de uma saga alucinante, e já que estamos falando de heróis e vilões, de uma aventura assustadoramente desumana.

Mas sabe como é, a vida tem dessas: nem sempre ela nos leva onde queremos chegar. E quando raramente isso acontece, há uma chance enorme que dentro de nós nasça uma vontade incessantemente estranha de voltar. Como um barco que ao se perder da rota, encontra outro. Perdido. Regressando.

(...)

Robert Scott, um dos contemporâneos de Shackleton - ao conseguir o feito de chegar ao Polo Sul - , teria registrado em seus escritos: "a partir de hoje, sou o homem mais distante de seu verdadeiro sonho: o Polo Norte".

norte, sul
guerra e paz
o homem é o que se faz.

Foto: Wender Batista

abraços,
13 jan. 25