Eu e minha circunstância
Dizem que o jornalismo separa o joio do trigo. Alguns vão além: dizem que o jornalismo separa o joio do trigo e publica o joio, como quem corta uma suculenta laranja comendo a sua casca e jogando o caldo fora. Uma outra frase de um autor desconhecido revela que "jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique - e que todo o resto é publicidade".
Não sei em qual das frases acredito mais. Na verdade, nem sei se foram concebidas para inspirar fé, concordância ou coisa que o valha. Talvez sejam apenas asserções provocativas e despretensiosas. Mas, sei lá, acho que depende do momento que estamos vivendo, né? Generalizar posturas e atitudes nunca foi lá de bom tom, especialmente quando nos referimos a essa área. Jornalismo é jornalismo. E ponto.
Gosto mais da frase que todo aluno de comunicação aprende logo no início do curso: "quando um cachorro morde um homem, isso não é notícia; mas quando um homem morde um cachorro, isso, sim, é notícia". A lógica aqui é quase incontestável: presenciar um homem mordendo um cachorro é, sem dúvida, um evento incomum, mas o contrário, você sabe... seria apenas o cotidiano. E cotidiano, via de regra, quase sempre é uma notícia sem sal.
(Mas e um cachorro mordendo a nuca de um homem alto? E um cachorro mordendo o mesmo homem cem vezes? E um cachorro mordendo um transeunte apenas com os dentes da esquerda? E um cachorro mordendo um trabalhador fantasiado de frango assado na porta de uma padaria num domingo antes do almoço?)
Ok, fui longe demais. Eu e minha circunstância. Talvez seja ela a maestrina de tudo, o contexto e a interpretação das coisas, né? Sem ela, todo dado seria frio, toda análise seria superficial, toda pesquisa seria incipiente, toda compreensão seria vazia... todo homem mordido por um cachorro seria apenas um homem mordido por um cachorro.
Um vinho brindando a uva, um peixe pescando um pescador, uma árvore plantando um jardineiro. Acho que imaginar situações incomuns vai além da notícia. Talvez a beleza dessas imagens não resida em sua impossibilidade, mas em sua capacidade de desafiar o ordinário. Nesse caso - breaking news - estaríamos fazendo poesia!