Fugir do óbvio

Estranho. Nem sempre as pegadas na areia se desfazem. Às vezes, elas duram por uma vida toda. As eternidades escritas à lápis são como marcas levadas pelas horas; cicatrizes que se esvaem corpo adentro. São como frutas maduras que jamais caem do pé.  

Talvez os cheiros nunca se dissipem completamente no ar. As palavras ditas, por consequência, talvez continuem a perambular o mundo eternamente mesmo com o tempo levando-as para muito longe. O toque talvez seja inexistente também, afinal, jamais será possível abraçar alguém seguindo a estranha ótica da nova ciência quântica. Restará apenas a simples ideia de que somos mesmos intocáveis, poços sem fundo.

Na real, simbolicamente, esse conceito já é um fato: há tanta gente por aí evitando contato, sabotando as próprias convicções e até dispersando o amor como se ele fosse um bicho arredio. Tá legal, talvez ele seja mesmo, mas com um pouco de carinho, tudo se resolve. O amor, quase sempre, é um cão raivoso que se derrete com o cheiro de um petisco.

Mas é fácil entender essa lógica: todo o contato é passageiro, é ilusório. Como tudo na vida, é verdade, mas às vezes, de fato, parece-nos muito melhor a ideia de deixar o atacante livre do que buscar a aproximação dele com uma certa agressividade. Soa como música. 

O gol não importa, há muito jogo pela frente. 

Talvez o petisco seja apenas uma maneira de ludibriar os cães, levando-os a pensar que estão comendo outra coisa. Recusá-lo nunca pode ser encarado como loucura; ou, pelo menos, não apenas como loucura. Fugir do óbvio também é óbvio. Por isso, não há como escapar.

Tudo que é efêmero, preste atenção, dura para sempre.

da ponta dos pés
ao topo da testa:
isso é tudo o que me resta.

12 ago. 24