De Jô, sabe-se muito. Até porque sua vida sempre foi um livro aberto. Ou uma TV ligada, se preferir. Nesse humilde aparelho televisor, foram apresentados os melhores momentos de sua extensa obra. Sua principal virtude, o carisma, serviu de base para a construção de outros adjetivos que se encaixam perfeitamente em tantas outras personificações.
Nas histórias escritas, estão – e estarão – as melhores sacadas desse exímio lançador de provocações. Na TV ou nos livros, Jô era rápido como a luz que teimava em o iluminar. Tão lento e cauteloso quanto a luz que emanava. Tão forte quanto a luminosidade presente em cada ato de sua peça.
Tudo começou ali, quando ainda era só mato esse descampado mundo das entrevistas aqui no Brasil. O talk-show virou podcast e hoje cultuamos o talk-Jô - afinal, muitos beberam dessa fonte. Jô deixou que se banhassem, aliás, sem cerimônias, nem formalidades.
Jô foi quem pavimentou esse espaço, dando condições para que outros pisassem e formassem novos relevos, adicionando curvas e contornos. Sedentos por um bom papo, sempre que tivermos lado a lado com alguém, será assim: evocaremos Jô em nossa imaginação - lugar onde ele jamais se afastará.
Acho – hoje mais do que nunca – que todo programa de entrevistas brasileiro deveria conter em sua descrição maior um ícone que deixasse claro de onde aquele formato se originou. Ao invés de um “R” envolto em um círculo, um “J”. Marca registrada.
“J” de José, “J” de Jô... e, por que não, “J” de... gênio! De Eugênio!
Jô não era óbvio, você sabe, nem seguia a corrente. Ao contrário, desvinculava-se de todas as amarras que o pudessem prender aos discursos rasos e superficiais pelos quais a patrulha digital hoje se apropria. Como humorista, ensinou que a risada é a mais poderosa arma contra a desilusão dos dias. E das nuances. Dos regimes (os corporais e os políticos).
Em uma entrevista, contou que não fazia ideia sobre o que era a vida. Entretanto, lembrou: “só sei que tem que ser vivida”. Gênio! Com “G” de gigante.
Nas comédias – divinas ou profanas -, provou que é melhor fazer humor do que guerra. Mostrou, em detalhes, que é imprescindível tirar sarro de nós mesmos, já que, quase sempre, somos aquilo que escondemos dos outros. Nossos defeitos, nosso peso, nossa leveza: vale tudo como aposta para não perder o riso. É como se dentro de Jô caminhassem juntas guerra e paz, numa relação cordial, amistosa. Beijo de um gordo.
Jô Soares nunca escondeu nada. Apenas revelou. Deixou à mostra toda a sua magnificência. Permitiu que as pessoas trilhassem as suas pegadas e os atalhos que sozinho descobriu. Tornou-se, há tempos, um de meus escritores preferidos. Tornou-se, desde sempre, um artista do tamanho do Brasil. Tornou-se, hoje, um imortal.
Desses que já nascem sendo.
05 ago. 2022