O apego e seu prefixo

Aprendi com a etimologia: "pegar" vem do latim "picare", que significa "trazer consigo", "ter em si". Por óbvio, o acréscimo na palavra do prefixo "des" muda por completo tal significado. "Desapegar" passa a ilustrar o conceito de "não trazer consigo", "não ter em si".

(Legal. Mas e como saber o que trazer ou não em nós? Como imaginar que o que trazemos conosco não deve continuar na próxima curva? Eu sei, eu sei, eu sei... não sairemos desse texto com respostas, né? Melhor desapegar!)

Quem tem um pássaro no dedo, dizia o escritor Rubem Alves, sabe que a qualquer momento ele pode voar. O poeta Fernando Pessoa lembrava que renunciar era libertar-se de algo. "Não querer é poder", reforçava. 

(...)

Tenho percebido que momentos de profunda alegria não duram mais do que alguns minutos. Sempre que colocamos para fora parte do nosso entusiasmo, por obrigação somos impelidos a abafá-lo na sequência; torná-lo imóvel novamente, sem voz. Não para que ele suma do nosso álbum de bons momentos, mas ao contrário: para que, definitivamente, nasça como fotografia irrepetível. Vida real, eu sei.

Sei lá, tem horas que acho que é preciso vencer o jogo e esquecê-lo logo em seguida. Tem horas que me apego insistentemente a pessoas, coisas e causas e me vejo rememorando êxitos comuns. Na real, não é nada fácil escolher o que levar e o que deixar guardado dentro da gaveta. Ainda mais se dentro dessas possibilidades haver a opção "descartar" - que, aliás, tem tudo a ver com esse jogo de escolhas cruel que é o nosso dia a dia. O apego e seu prefixo.

Não faz mal, né? Quem observa a vida com a vagareza que ela merece sabe que isso é pra lá de bom! O não trazer em si, às vezes, é um peso a menos. Encontrar-se perdido. Perder-se encontrando.

(...)

Mas, então: esquecer de lembrar ou lembrar de esquecer? Talvez nenhuma das alternativas. Ou talvez as duas juntas. Melhor não escolher agora. Já faz um tempo que aprendi que na vida tudo é transitório e permanente (inclusive essa afirmação). 

Nem sempre é necessário ser lembrado.

(...)


Desapego
[Cecília Meireles]

"já não tenho vontade de falar
senão com árvores, vento,
estrelas, e águas do mar.
e isso pela certeza de saber
que nem ouvem meu lamento
nem me podem responder."


Prosa de fim de post:
1 - Depois de um carinho que não soube nem mesmo agradecer, deixo registrado aqui o meu simbólico abraço e minha admiração à querida Dani Nascimento.
2 - Conheci, durante um café no histórico Palace Hotel - e acompanhado do meu amigo André Luiz - Inara Angra, repórter de uma televisão local. O papo foi tão bom que a impressão era a de que eu já a conhecia há anos!
3 - Soube, recentemente, que um amigo - quase irmão - vai ser pai. Por consequência, já me considero tio. Tio da Aurora!
4 - Por falar em criança, soube também que Maria Flor, minha pequena e maior amiga, esteve por perto nesse domingo. Não tive a oportunidade de vê-la, nem de dizer mais uma vez o quanto a quero bem. Por isso, deixo também registrado minhas saudades!
5 -  Desapego, quase sempre, é entender que as pessoas se desapegam de nós.

abraços 
cheios de carinho!
13 mai. 24