Em vão, o escrivão escreveu

Que a palavra lançada não volta, isso eu tenho certeza. Ou quase! Vai que numa dessas ela volta multiplicada, fortalecida, como num embate gramatical cheio de sangue, suor e lágrimas (para lembrar uma frase de um certo primeiro-ministro inglês). Porque sim, você sabe, numa guerra de palavras, muitos são os feridos e quase sempre tem alguém que não resiste aos ferimentos.

Se a palavra volta de verdade ou não, há controvérsias; agora que ela atinge em certo o alvo, ah, isso com certeza! Ou melhor: quando ela atinge o alvo, o dano é inevitável. Para o bem ou para o mal. Mas hey, e o silêncio lançado? Também dói, né? A sossegada ausência de palavras fere mais que um grito! Paciência.

Na história da humanidade, muitos foram os homens e muitas foram as mulheres que travaram guerras verbais contra tudo e contra todos - nem sempre saindo vencedores, é claro. Hoje, mais do que dominar o idioma, é preciso atenção para diferenciar as intenções. Essa anomalia da língua, que eu chamaria de afta do mundo moderno, é uma lesão que se não tomar cuidado, ela só aumenta!

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Lembro-me, agora, de um grande jogador de futebol, que ao encerrar sua carreira, proferiu três vezes uma pequena palavrinha inglesa. Lembro-me também de um ativista que apenas expressou seu desejo maior dizendo que tinha um sonho. Um compositor, por sua vez, teria dito que o seu e o de todos havia acabado, gerando tensões filosóficas no mundo das ideias. 

Já um príncipe decidiu comunicar sua decisão dizendo simplesmente que ficava, para a alegria geral da nação. Um presidente dizia estar saindo da vida e entrando na história por meio de uma carta. E de um tiro. O que o teria ferido com mais intensidade?

Aliás, pode uma frase mudar a história? Ou mesmo criar uma outra, melhor e mais digna? Pode, ainda, um termo destruir uma narrativa, fazendo surgir outra pior e mais cruel?

Em uma coisa os oradores clássicos e os déspotas tem razão: a palavra tem poder.

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Rita Lee teria brigado com Roberto de Carvalho, seu esposo, e pedido desculpas, via carta, logo em seguida. Carvalho transformou o escrito em música: "fiz greve de fome, guerrilhas, motim... perdi a cabeça! Esqueça."

Palavras - e a falta delas - mudando, desde sempre, o mundo, as relações e as intenções.

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No século passado, um embaixador italiano pediu para que um líder grego se rendesse. Metaxas, o grego, respondeu, enfaticamente: "Não!". A população da Grécia entendeu o recado e saiu pelas ruas gritando incessantemente: "Não! Não! Não!". 

Até hoje, comemora-se no país... o "Dia do Não".

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Padre Antônio Vieira iniciou um de seus sermões advertindo: "peço desculpas, mas não posso ser breve" e, partir de uma longa carta, expressava ao rei sua indignação - e, entre outros temas, sua descrição detalhada para com aquele acontecimento. Pergunta: Poderia ter sido ele mais curto, escrevendo menos, sem deixar lado a estupefação diante daquele fato? 

Talvez, mas faltaria tempo. 


abraços,
15. mai. 23