Papo estranho
Eu sei, eu sei, eu sei... não devemos esperar muito das pessoas, né? Mas e quando se envia uma carta, um e-mail, uma mensagem? Não é automático que se espere uma resposta, um sinal, um retorno? Truman Capote, em uma de suas correspondências, cobrou o seu amigo: "Senhor - Por que não respondeu minha carta? Eu só escrevo cartas para poder recebê-las. Por favor, faça isso render."
Aliás, uma pergunta: o ato de escrever deve pressupor, por si só, a existência de alguém que possa ler? Nem sempre, né? Na real, há textos que nascem para serem ignorados. Não porque são irrelevantes, ao contrário; simplesmente porque dizem mais repousados em uma folha de papel ou em uma tela em branco.
"Esnobar é pedir café quente e deixar esfriar". A afirmação de Millôr Fernandes dá a dica: o contrário de reciprocidade quase sempre é a indiferença. Frieza para continuar no exemplo do café. Desprezo pela afeição.
(...)
Hey, que papo estranho! Quer dizer, então, que rola escrever uma mensagem, uma crônica, uma poesia para não enviar a ninguém? Fazer um café para si mesmo e deixar esfriar? Bom, é quase isso. Há cartas que não precisam ser lidas, apenas escritas. Café também é bom morno. Ainda mais com leite. Silêncio também é emissão.
(...)
Reciprocidade, você sabe, é bicho arredio, nem sempre dá pra ter com ela um papo assim, cara a cara, né? Muito menos exigir que o outro a aplique como uma fórmula matemática, sem erros e instintivamente. Obrigar, aos cotovelos, a sua utilização é bola fora. Devolver é bem mais difícil do que entregar.
Hey, que papo estranho! Quer dizer, então, que não devemos esperar que alguém nos devolva o que lançamos? Bom, não acho que é isso. O jogo de tênis está aí para provar. Na quadra da escrita, há cartas que merecem, sim, ser lidas e rebatidas, tais como as de Capote. É esse o jogo do reciprocidade.
Jogo que, aliás, sempre termina empatado.
(...)
abraços,
03. abr. 23