O trem das 10h10

Os dicionários oferecem uma resposta precisa, mas aqui em Minas, você sabe, tudo é trem! Basta que um significado desapareça para que, instantaneamente, o substantivo surja como solução. O meio de transporte é sempre um bom meio de definir as coisas nessas montanhas gerais.

Na última semana, embarquei em um. Desses literais, que correm sobre trilhos, emitem sinais sonoros e de fumaça. Durante o trajeto, comecei a me lembrar de músicas que versavam sobre esse interessante veículo. E pensei.

(...)

Embarquei às 10h10. E só ali percebi que não encontraria Raul Seixas, pois o trem dele já havia passado há horas, mais precisamente às 07h. Ele mesmo dizia que o trem das sete era o último do sertão. Por isso, quando embarquei, ele já devia estar dormindo em sua casa.

Tudo bem, meu pensamento estava mesmo em Adoniran Barbosa, já que a possibilidade de encontrá-lo em uma dessas paradas, numa cidade vizinha, era grande, afinal, o trem dele saía às onze!

O cronista musical de São Paulo me fez lembrar da pressa que ele estava para ir embora. Ou melhor: da preocupação que o visitava recordando-o da partida do último trem. Segundo ele, se perdesse o trem das onze, só no dia seguinte pela manhã.

(você entende a razão pela qual eu esperava encontrá-lo, né? Tudo fazia sentido.)

Não rolou. Nem Raul, nem Adoniran.

(...) 

Minha esperança de encontrar alguém famoso quase desapareceu, uma vez que o trem azul de Lô Borges - minha última salvação - devia estar em Belo Horizonte, na despedida de uma banda da cidade. Mas o sol na cabeça já era uma realidade! O trem, todavia, não era azul.

Percebi, nesse instante de infelizes descobertas, que também não encontraria a turma do Roupa Nova. Eles sempre seguiram em um trem da mesma cor do céu.

(Hey, seria o trem de Lô Borges o mesmo de Paulinho e sua trupe?)

(...)

Havia esperança. Me lembrei que havia um trem colorido passeando pelas trilhas da música brasileira há décadas. Só podia ser o que eu estava. Trem das Cores, de Caetano Veloso! Assim que vi as casas verde e rosa passando - e nos vendo passar -, os dois lados da janela, aquele azul que é pura memória... pronto! Era esse o trem. Mas nada!

Talvez o trem de ferro de João Gilberto? O trenzinho Caipira de Heitor Villa-Lobos? O trem das estrelas do Cazuza?

Como assim metáfora? Não falávamos do meio de transporte com horário de chegada e partida? Metáfora? Do que se trata?

Nah, melhor continuar a minha viagem.

(...)


Foto: Wender Batista

Foto: Wender Batista

abraços,
27. mar. 23