Uma fada andando de ônibus
Encostado em uma das janelas do ônibus, de frente à escada de saída, vejo aproximar-se da roleta uma fada. Ao lado dela, uma pessoa comum, com vestes convencionais e preocupada com os passos que aquele pequeno ser poderia dar.
Me permiti imaginar que poderia ser apenas uma visão lúdica, irreal e originada de um sonho ou de uma abstração. Mas no momento em que essa doce divindade pulou a roleta utilizando de suas asas, ignorando o cobrador de passagens e passando suavemente para a outra parte do ônibus, eu percebi que não se tratava de uma miragem ou de um descuido do meu cérebro.
(...)
Hey! Não venha me dizer que a fada era apenas alguém fantasiado de fada. Nem que o fato dela ter pulado a catraca se deve somente ao fato de que seres de sua idade não pagam a passagem de ônibus!
(...)
A fada tinha um lindo vestido rosa, feito a partir de tecidos finos, leves e translúcidos. Usava cabelos curtos e bem arrumados e nos pés trazia sapatilhas brancas e novíssimas. Percebi, também, que a roupa continha símbolos que evocavam borboletas. Havia muitas! As cores vivas dividiam-se entre tons de rosa e de azul, em uma espécie de degradê que também lembrava um pouco um arco-íris.
A idade da menina não sei ao certo (talvez 3, talvez 4), mas não me atentei ao conjunto dessas características simplesmente porque nunca soube se uma fada tinha idade ou não. Sempre imaginei que elas pudessem ser eternas, livres e dotadas de certos mistérios indecifráveis. Suas origens, especialmente, seus caminhos e segredos, sobretudo.
(...)
Hey! Não venha me dizer que a fada vestida de rosa estava apenas voltando para casa depois de uma aula de balé. Muito menos que não existem fadas, pois eu vi, eu vi mesmo, com os meus próprios olhos!
Mas hey. Tá bom, eu confesso que me surpreendeu o fato de ter visto uma andando de ônibus. E mais: na mesma linha que eu, perto de tantos outros mortais, cansados do trabalho e desiludidos. Afinal, o que estaria ali fazendo essa dócil e encantadora beldade? Seria eu vizinho de alguma? O que teria acontecido com suas asas?
(...)
Ao olhar mais de perto, visualizo em suas mãos uma espécie de cajado com uma estrela na ponta. Se bem me recordo das histórias infantis, tratava-se de uma de varinha de condão. Pois pronto: aquela menininha era mesmo uma fada! Pois se vestia rosa, como uma bailarina, se voava, era cativante e misteriosa, não podia ser outra coisa! Mas... uma fada andando de ônibus? O mistério continuou.
O que fazia na linha 101 tão amável e instigante ser? Até onde iria? Por qual razão não foi voando? Teria perdido seus poderes? Sua varinha de condão havia enguiçado? Quem era aquela mulher a ajudando? Outra criatura mágica? Um fada à paisana?
(...)
Hey! Não consigo me convencer que a mulher de vestes comuns era a mãe daquele ser e que elas estavam apenas voltando para onde moravam. Não faz nenhum sentido uma fada vivendo no subúrbio de uma cidade no interior de Minas, né? Ou faz?
Melhor voltar para a realidade.
(...)
Ainda encostado na mesma janela do ônibus, vejo a criança se levantando de um banco próximo à escada de saída. Ainda bela, obediente e deslumbrante, mas já cansada, com sede e sem muita magia. Ah, a realidade, sempre destruindo nossos sonhos, nossas fantasias.
Eis que, de repente, a mulher que a acompanhava também se levanta e puxa a cordinha pedindo que o ônibus pare no próximo ponto. A fada, já retomando todas as suas habilidades, direciona sua varinha colorida para o mero mortal que sentava-se ao seu lado fazendo um movimento extraordinário, mas delicado.
(Eu estava certo! Tratava-se de alguém com superpoderes).
Como num passe de mágica, ela arranca um sorriso - quase uma gargalhada - primeiro de um homem cansado, aparentemente sério, depois de uma série de pessoas distintas ao seu redor. Homens, mulheres, jovens, estudantes e trabalhadoras.
Naquele instante, todos do ônibus viraram testemunhas oculares de que fadas existem. E sorriram juntos! Tudo depois do gesto excêntrico que a fada expressou com seu pequeno instrumento mágico. Uma maestrina!
Descobri que aquela pequena criatura era apenas - e tão somente - uma criança.
E isso, você sabe, é ser mais que uma fada.
![]() |
| Cena de Balé. Edgar Degas. 1879. |
20 fev. 23
