Que pena ter que ter só dez mil anos!
Basílio Hallward, você sabe, tinha pavor de envelhecer. Para ele, a vida só fazia sentido se tivesse deslumbre e encantamento. Só valeria a pena ser vivida se fosse um ciclo estético sem fim, sem rugas, artificial. Coisas da idade. Essa procura pelo vigor - e, por que não, pela imortalidade - fazia do pintor um esforçado artista dos anos (e da passagem deles).
Hallward via em um rapaz chamado Dorian Gray tudo o que um dia sonhou ser. Passou a pintá-lo, incessantemente, destacando características físicas e simbólicas. Tentava, a cada pincelada, imprimir à sua obra a magnificência que visualizava no rapaz. Coisas de artista.
Gray era maravilhosamente belo, tinha lábios atraentes e olhos estonteantes. Nele, habitava todos os aspectos límpidos do que convencionou-se a chamar de juventude.
Quando Hallward finalmente terminou o quadro, concluiu ter construído uma obra-prima. Aquele retrato era tão real, jovem e bonito que Gray afirmou que daria tudo, tudo mesmo - inclusive a alma - para se manter jovem daquele jeito.
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Sempre soube que exibir só aquilo que temos de bom funciona apenas nas redes sociais. Mas não dá, uma hora a conta chega. Essa teatralidade de ser o que não se é me assusta. E muito! Acho que ver e sentir o tempo passar, entendendo as suas complexidades, aceitando as mudanças que ele provoca, é muito melhor do que ignorá-lo, como se ele fosse uma entidade invisível, abstrata e intangível.
(que me desculpem os Dorian Grays da vida moderna!)
Tenho curtido muito o lance de divulgar alguns vídeos cantando. Em muitos desses registros, estou com camisetas velhas e cabelos desajeitados. Os ângulos nem sempre são os melhores: mostram o que há de mais estranho no lugar em que gravo as músicas.
O som nem sempre é bom, nem sempre canto no tom correto, às vezes erro alguns acordes. Mas gosto de publicar os vídeos assim mesmo, crus, sem edições. Quase sempre um retrato de fora pra dentro.
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Gosto muito de me cuidar, de me sentir bem, mas confesso que adoro me ver vulnerável, com a roupa do corpo, sem óculos, com o cabelo despenteado, ao léu. Acho que, em essência, estou mais pra esse cara do dia-a-dia do que para esse dos eventos sociais, dos trajes padronizados e dessa ideia antiga de ser sempre jovem.
(Nah, curto essa dualidade também. Acho que só faz sentido vestir um terno se no dia anterior eu usar um pijama. Uma coisa alimenta a outra, né? A real é que somos crianças idosas, com dificuldades para andar, mas loucos para correr uma maratona!)
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"O Retrato de Dorian Gray", livro de Oscar Wilde, narra a história de um homem que tem o seu maior pedido atendido: ser sempre jovem. A contrapartida se dá por meio de um quadro. Na história, o retrato envelhece; o homem, não.
(Hey! Trocar a alma pela juventude? Que furada, hein Gray! Esqueceu-se que ambas se retroalimentam e que não existem sem a existência da outra?)
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| Aniversário de seis anos. "Velho, saca só esse moleque!" |
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Prosa de fim de post:
1 - A música que tento tocar no vídeo foi a que mais ouvi, segundo uma plataforma de áudio, em 2022. Talvez isso explique a quantidade de vezes que tentei cantá-la ao longo desse tempo. Na impossibilidade de captar algo perfeito, gravei o que tinha de mais sincero em mim. Tenho dificuldade em dizer palavrões (no início da música lancei um "caraca", mas a música original diz outra coisa). Tenho ainda mais dificuldade com o inglês (lancei, no refrão, um emaranhado de palavras que, na real, quer dizer mais ou menos algo como "é melhor queimar do que desaparecer aos poucos"). Esqueci até de cantar um trecho. Coisas da idade.
2 - Não gosto de desmistificar as coisas, mas não, eu não fiz oito anos. Minha mãe só não encontrou a velinha que faltava! (Ou será que há um retrato meu envelhecendo por aí?)
abraços velhos!
sempre renovados
27. fev. 23


