O seu céu

Estamos diminuindo o nosso céu. O meu, o seu, o nosso. Ou melhor: estamos perdendo a capacidade de ver o que há no céu, suas características, contornos e o que ele tem de melhor. Não se trata de uma manchete barata, a realidade é essa mesmo. Vê-lo está cada vez mais difícil. Vê-lo está se tornando uma tarefa tão desafiadora quanto achar uma agulha no palheiro

Eu sei, eu sei, eu sei, estrelas sempre foram finíssimas agulhas no palheiro intergaláctico, mas é certo que a poluição visual dos grandes centros tem deixado ainda mais à margem nossa pequena visão grandiloquente do espaço.

(Mas, hey, não estávamos falando metaforicamente do nosso céu? Da nossa capacidade de enxergar a si mesmo? Do nosso cenário mental e estrelado?)

A ciência nos diz que estamos desbotando o céu assim como um apagador de quadro negro ao final de uma aula, deixando apenas rastros e pistas do que estava ali escrito e registrado. Revelando apenas indícios que, muitas vezes, não revelam nada e apresentando marcas de um passado distante aos olhos nus. Impossível de enxergar. 

Os semáforos, postes e letreiros luminosos têm deixado a escuridão das cidades ainda mais... iluminada. Haverá noite no futuro? Já há noite no presente? Eu sei, eu sei, eu sei, nem sempre é confortável viver às escuras, sem a frieza das cores quentes e o calor das cores frias. Há sempre o desejo por luz, mais luz, até pelas exigências diurnas de nossa natureza - e do que dela viceja e transforma, né?

(Mas, hey, não estávamos falando do céu do nosso planeta? Da parte prática e da astronomia? Daquilo que vemos quando olhamos para cima?)

As estrelas, talvez por serem objetos demasiadamente brilhantes, não gostam tanto assim de luzes vizinhas. Preferem manter-se iluminadas pelo próprio brilho, pela energia luminosa que emanam, afinal, é exatamente isso que dá vida às suas existências.

Há, em volta delas, luzes de outras estrelas que se somam, mas que nunca têm a intenção de roubar a intensidade da luminescência alheia. Ambas estão presas em suas próprias auroras como uma revoada que paira sobre o céu, entre milhares bateres de asas, consonantes, mas distantes entre si. Únicas.

Quando visualizamos o nosso céu, procuramos sempre nitidez e saturação. Procuramos as estrelas em seu resplendor máximo, em seu fulgor maior. Dentro de nós, entretanto, há o caos dos grandes centros, a movimentação desordenada de astros estranhos e a incoerência de quem pede luz estando à frente de um refletor.

Em casos assim, para ver o céu, o jeito é ir para o interior. O meu, o seu e o nosso.

(...)

Prosa de fim de post:

1 - "Luz, mais luz!". Últimas palavras de Goethe, escritor alemão que estudou as cores.
2 - Folha de São Paulo: "Iluminação das cidades está 'apagando' as estrelas do céu"
3 - Mas, hey, não estávamos falando sobre o nosso céu, sobre encontrar a luz interior, o brilho próprio, o melhor ângulo da vida? Desisto.

um abraço,
06 fev. 23