Gambiarras

Gosto de gestos corajosos, de atitudes impetuosas e de improvisos. Não é minha intenção, entretanto, dizer que são os passos mais importantes, as melhores saídas, aquelas que, na real, mostrarão a nós o caminho de tudo. Longe disso. Às vezes, podem ser armadilhas perigosíssimas que custam a nossa reputação. E a nossa reputação, você sabe, vale muito.

Por isso gosto também dos planos, das planilhas e dos métodos. Estou ao lado sempre das soluções imaginadas, pensadas e programadas com atenção e carinho. Mas hei, essas também podem ser armadilhas perigosíssimas, não? – afinal, o mundo não é plano, nem nunca será. No meu imaginário, ideias prontas e surpresas absurdas caminham juntas, sorridentes e tristes, contrariando teses, aceitando o inusitado, criando e quebrando regras, todos os dias... ou melhor: às vezes sim, às vezes não. Nem sempre nessa ordem para não termos uma... ordem.

Sabe como é, a verdade é que a gente também gosta de um sustinho às vezes, uma gambiarra do tempo, alguém mudando as peças de lugar. Por isso é que não escondo minha admiração quando uma banda, por exemplo, decide não tocar aquele sucesso de décadas em um show – mesmo com um público esperando por ela – ou quando um filme de suspense decide tapear a minha percepção deixando o medo saltar apenas na cena seguinte de um momento usual do gênero.

Aliás, falando em filmes, gosto até quando o mocinho morre no final. Acho, em suma, uma ode ao espírito! Ao cérebro! Soa como música aos meus ouvidos. Uma série que estou acompanhando tratou desse tema tirando da jogada um personagem que eu jamais imaginava que pudesse sair como saiu. Um susto! - um bom susto.

Jô Soares, em seus livros que misturam realidade e ficção, trabalha com extrema excelência isso. Basta que você se acostume com a história para que um acontecimento absolutamente marcante aconteça! Sem que nenhum de nossos neurônios peça ou sugira! Um desfecho incomum, improvisado, na lata! E morreu.

Se recorrêssemos ao dicionário da arte para entender do que, de fato, isso se trata, ele diria, literalmente: “clímax irreal ou improvável, não convincente.” Acho justo. Na prática, é isso mesmo. Com uma pitadinha de desconfiança no que diz respeito à expressão “não convincente”. Para mim, é convincente pra caramba dizer o contrário, fugir do óbvio, matar o personagem principal e deixar o público sem respostas - e comovidamente tomado de perguntas.

Bem parecido com aquele momento que comemos uma goiaba verde imaginando a sua doçura ou quando abrimos a geladeira e vemos um pote de sorvete repleto de feijão. O contrário do contrário. Frustração completa.

(...)
 
Recentemente, fomos presenteados com um espetáculo visual no céu: o eclipse total da Lua. Melhor: algumas pessoas foram presenteadas; outras, nem tanto. Depois de uma expectativa sem tamanho, muitos (assim como eu) tiveram que presenciar esse instante pela TV, já que o tempo nublado não propiciou uma visão privilegiada e nítida em várias regiões do país.

Tudo estava pronto: câmera ligada, olhares atentos ao relógio, um pouco de pesquisa para entender a teoria da coisa e um entusiasmo que não cabia no peito. No entanto, nada aconteceu! Vi apenas nuvens, num dia estranho, escuro e chuvoso. Se eu fiquei chateado? Nah, um pouco, é claro. Anticlímax total, né?

Exatamente como o final desse texto.

Releitura de "O Beijo". Gustav Klimt. 1907.
abraços!
maio 27, 2022