Com sombra de dúvida

É, nem sempre dá pra simplificar as coisas. Só que é chato também abandonar a ludicidade e as brincadeiras do tempo que nos fazem refletir sobre como ele poderia ser se não fosse como é. Especialmente no que diz respeito ao modo com o qual nos interagimos e sobre como poderia ser o futuro se ele já não fosse passado.

Gosto muito de futebol. Mais do que o jogo, gosto do que o esporte traz enquanto impacto ou estímulo. Basta que uma bola trisque a trave para que uma multidão se desespere e para que outras torcidas entrem no mais puro êxtase. Basta, também, que um goleiro toque delicadamente a bola à direita para que o sonho de um time caia por terra. Esses detalhes, paradoxalmente injustos e justos sob alguma ótica, decidem um monte de coisas. São dados jogados ao mar, sem donos, nem amarras.

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Ah, estamos falando do esporte, não só do futebol, né? Tudo é assim numa disputa. O ponto quântico é absolutamente decisivo, incomensurável e imponente. Quase invisível.

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Terminei duas séries que versam sobre o assunto. Na primeira delas, a Rússia vence a corrida espacial e pousa na Lua pela primeira vez. Os americanos, em um ato de prudência - e por uma definição técnica - passaram pela Lua e por lá não pousaram. Ficção, eu sei.

A segunda série imagina o mundo sob o domínio nazista. Na história, eles vencem a guerra e comandam boa parte do planeta. E aí, eu sei, não é necessário um exercício muito preciso, né? Se fosse um jogo de futebol, seria uma catástrofe! Não há mistérios nessa suposição. Ficção, eu sei. Ainda bem.

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Encontrei uma grande amiga na última semana. De brinde, a companhia sempre presente de outro grande amigo. O que seria de mim sem a passagem - e a presença deles - em minha caminhada? Sem as doces transgressões de ambos ou sem os afagos físicos e sentimentais que me oferecem? Ah, resposta fácil, muito fácil, na ponta da língua: seria provavelmente pior, sem algumas aventuras, sem muitas histórias.

Lembro-me como fosse hoje o dia em que os conheci. Melhor: lembro-me exatamente do momento em que me senti conectado a eles. Certamente, sem as particularidades desses encontros, meu mundo seria outro. Talvez com um gol aos 46, talvez com russos na Lua antes dos Estados Unidos. Talvez com um gol inesperado ou preso em uma derrota acachapante. 

É, nem sempre dá pra simplificar as coisas. Realidade, eu sei.

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CARACTERES
março de 2019

a beleza das coisas
dos homens, das mulheres
dos parques, das cidades
sem definições
sem retrospectos
ou comparações
não pode ser descrita
não pode ser catalogada
caro moço, caríssima menina
formosos são os seus desejos
quem olha e não os admira
não tem olhos
nem espírito
delira.

"A Lua". Tarsila do Amaral. 1928.


Terminei o texto ouvindo essa música.

abraços!
março 11, 2022