Som e fúria
Se
resolvêssemos juntar, em um mesmo pote, muitos dos nossos problemas, certamente
– num grau de intensidade – eles seriam muito menos preocupantes do que aparentam ser. Seriam, em suma, retalhos de uma colcha muito maior, imensurável e
misteriosa. Difícil de dobrar.
Não
há, é claro, uma régua que possa medir a magnitude de um problema. Nem uma
regra que possa distinguir as experiências ruins pelas quais somos atingidos quase
que diariamente. Afinal, problemas não são meteoros, terremotos, nem são identificados com precisão e cautela; não é privilégio de poucos, nem
casualidade de nenhum. Estão aí. E ponto. Endemicamente.
Mas
se o que dói numa bofetada é o som – como sugeriu o escritor Nelson Rodrigues –
sempre há, portanto, a possibilidade de sentirmos um tapa sem levá-lo. E de nos
espantarmos com o fato de que damos demasiada importância ao conjunto irreal
das coisas e ao pretensioso lugar onde residem as dores antecipadas e os ódios
preestabelecidos.
É,
eu sei: esse é um grande problema.
(...)
No
futebol, se um jogador se antecipa a uma jogada, duas coisas podem acontecer:
ele pode prejudicar o lance do seu adversário, ganhando uma certa vantagem, e
pode levar um drible medonho, atrapalhando o seu time. Como em tudo na vida, tempo
e ritmo – ou a falta deles – surgem como grandes desafios. Nem sempre a
antecipação é um atalho – pode ser uma armadilha, né?
Numa
plantação de uvas, cada dia conta para que a fruta tenha o sabor pretendido. Na
produção de vinhos, a especificidade é ainda mais rigorosa, já que há vários
aromas e texturas presentes em cada fase de crescimento das videiras.
E
de vida, convenhamos, as videiras entendem.
(...)
Sempre
que vou a um ponto turístico de minha cidade, já começo – muito antes – a me
preocupar. O lugar, circundado por árvores e pedras, próximo a uma cachoeira, é
parada obrigatória para aranhas e demais insetos, especialmente no verão.
Antes
de chegar, já me preparo. Treino meu olhar para que eu não veja nada que possa me assustar! Sofro
por antecipação. Muito mais do que com o encontro em si. Saber que aranhas estão
próximas me amedrontam mais do que se elas estiverem por cima dos meus pés.
O
que dói numa bofetada é o som.
(...)
Essa lógica não se trata, portanto, de uma ode ao improviso, um cântico ao inesperado, um hino ao súbito. Ou mesmo o contrário, de um caderno de leis e regras que preveem o futuro. Nada disso funciona sozinho. Sem medo, não há coragem e vice-versa.
Trata-se de uma visão pautada na
inconstância do tempo, no rodopio dos ponteiros, nas badaladas dos sinos. Uma
ideia um tanto quanto romântica do presente, do impossível presente, aliás, que
nos prova que a única coisa que existe... é o passado.
Um
segundo depois e o seu mundo é outro. E o outro, é outro mundo. Distante, incompreensível,
indecifrável. Problema dos grandes! Instante onde ele realmente existe, em corpo e alma, sem atalhos.
O
gênio do suspense, Alfred Hitchcock, dá a dica: “Não há terror no estrondo,
apenas na antecipação dele.