Sótãos e porões

Pode ser que conheçamos mais o espaço do que o fundo do mar. Pode ser que quilômetros abaixo da superfície possam existir formas de vida nunca antes imaginadas. Pode ser que possam existir, também, seres marinhos inéditos ou, ainda, explicações sobre o surgimento do universo. Detentores de tamanhos mistérios, os velhos oceanos ainda surpreendem.

Recentemente, lançamos ao espaço um telescópio que tentará descobrir nossas origens mais profundas. Assombramo-nos, contudo, com a erupção gigantesca de um vulcão submarino que provocou tsunamis em várias partes do mundo. James Webb é o nome do nosso íntimo amigo telescópio e Hunga-Tonga é o nome do nosso, digamos, conhecido vulcão.

Webb custou 10 bilhões de dólares e estará, em breve, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra. Tonga, por sua vez, provocou 63 mil raios em quinze minutos e tirará o sono de muitas pessoas por algum tempo. 

A vida - o fim ou a origem dela - está sempre por um fio.

(...)

Santiago não era um homem viril, um capitão do mar, muito menos um herói. Não tinha posses, influência ou um barco imponente. Era, assim como descreve o seu autor, um velho. E mais: um velho pobre. Alguém cuja coragem parecia ser inversamente proporcional à sua força física. Ernest Hemingway é o pai literário desse personagem que me fez companhia nesse início de ano.

"O Velho e o Mar" é mais que um livro: é um relato humanamente belo que descreve o que não se pode descrever. Uma obra que oferece um olhar ao que não se pode notar, ao que não se percebe, ao que não é possível ouvir. História de pescador em que a verdade é presença marcante, sem filtros, com todas as dores e prazeres.

Pois assim é a vida, não é? O fim e a origem dela também.

(...)

Europa, uma das luas de Júpiter, tem um oceano subterrâneo coberto por uma camada de gelo de espessura quilométrica. Abaixo dessa proteção, provavelmente há água em estado líquido, assim como conhecemos aqui. Onde há fumaça, há fogo. E onde há água, há vida?

No espaço ou no fundo do mar, a vida há de ser mesmo vertical. Contundente como uma lança que perfura o maleável tecido da nossa existência ou como uma broca que escava a gravidade, o nosso chão. Ponto onde habita uma galáxia no fundo do mar e onde o fundo do mar resplandece em uma galáxia.

Olhar para a própria vida - tentando encontrar respostas para tudo - pode ser um ótimo início para não encontrar nada - e para a formulação de perguntas que jamais serão respondidas. Eis o looping do mistério. Do fim e da origem. De quando a vida percebe que, como Narciso, jamais se superará. Afogando no mar o seu argumento autoexplicativo. Pois a vida não está por um fio. Ela é um fio.

(...)

“às vezes parece
que estamos no centro da festa.
no entanto no centro da festa 
não há ninguém.
no centro da festa está o vazio.
mas no centro do vazio há outra festa.”

- Roberto Juarroz ("Poesia Vertical", 1998)


P.s¹: Escrevi, em 2017, o "Poema para ser lido em 2042". Resolvi tirar o texto da "cápsula" - antes do tempo, eu sei - porque amanhã é o aniversário da pessoa que me inspirou a escrever esses versos. O texto - essa, digamos, garrafa lançada ao mar -, foi um pequeno presente para minha amiga Mariana Pires.

Em poucas horas, ela completará 30 voltas em torno do sol. Em torno dela, estou há quase 10, girando e tentando absorver a luz que só um astro como ela emana. Nessas idas e vindas, aprendi a contemplá-la sempre com muita atenção, às vezes com um telescópio, à distância, às vezes lado a lado, a olho nu. Como quem olha o céu ou o mar, imaginando sua extensão e seus mistérios. Sempre sem expectativas. Nunca sem grandes surpresas. 

Nos últimos versos do poema mencionado, entre dezenas de outras inquietações, questionei:

as dúvidas ainda pairam
no cosmos da indecisão
a que ponto chegamos?
final ou interrogação?


P.s²: O poderoso Hunga-Tonga está nos mares turbulentos do Oceano... Pacífico.

abraços
janeiro 17, 2022