O efêmero e a efeméride
Efeméride, você sabe, é um termo requintado para se referir a datas importantes e simbólicas. Diários e almanaques são os principais destinos desses acontecimentos marcantes que embalam comemorações mundo afora.
Na astronomia, efeméride é uma tabela que em que se registra a exata posição de um astro. Como um GPS. Em ambas as definições, o conceito sugere a utilização de réguas que delimitam nossas ações - propondo caminhos e atalhos, por sinal, sempre levando em conta o retrospecto de nossa caminhada.
Onde estamos e para onde vamos são questões que, por si só, sempre nos levaram adiante. Sem elas, a humanidade moderna não existiria; seríamos o que fomos. Tempos onde apenas o princípio seria o verbo.
(...)
Sempre curti as datas redondas. Acho-as significativas, pujantes. Gosto até da gramática do impossível quando leio que alguém poderia completar 200 anos se ainda estivesse vivo. Aliás, foi o caso de Dostoievski, em 2021!
Em 2018, comprei um selo nos Correios que celebrava os 200 anos da canção Noite Feliz! Após essa efeméride, a canção se rejuvenesceu. Ficou 200 anos mais jovem. Ao menos pra mim, é claro.
(...)
2022 é um prato cheio (para ficar em uma metáfora esférica) para grandes e histriônicas efemérides. Não apenas por conter em seus meses uma eleição explosiva - a principal de seu século - ou a maior competição de futebol do mundo em um ambiente desértico. Há nesse nada redondo ano uma aura de mudanças, de transformações e reviravoltas (para continuar em uma metáfora esférica).
Já em fevereiro, por exemplo, comemoraremos o centenário da Semana de Arte Moderna no Brasil. No dia 7 de setembro, duas outras solenidades: o bicentenário de nossa Independência e o aniversário de 100 anos do rádio no Brasil.
Comemorar, aliás, tem também um significado importante: relembrar juntos, recordar com o outro, diz-nos o velho dicionário. Por isso é que também devemos comemorar momentos ruins, afinal, são sementes (ainda que não brotem) de profundas convulsões.
Mas esses avivamentos são transitórios – ou como diz Rubem Alves, infinitamente belos e insuportavelmente efêmeros. Passam como uma folha seca no outono, que depois de ser transportada para vários lugares, some com um passe de mágica, desintegrando-se.
O gênio da última hora é o idiota do ano seguinte. Ou o contrário, como quiser.
(...)
Será, em 2022, a mais completa, duradoura (embora transitória) canção à liberdade, que se manifestará escrita na certidão de nascimento do rádio, que se originará de novo nesse dia festivo?
Será, enfim, o encerramento da Semana de Arte Moderna ou apenas o seu reinício?
O maior sucesso de todos os tempos entre os dez maiores fracassos?
Guardião dos potes de ouro, o arco-íris
é passageiro. Fugaz e intermitente, sempre some, mas sempre aparece.
(...)
hoje eu percebi
que venho me apegando às coisas
materiais que me dão prazer
o que é isso, meu amor?
será que eu vou morrer de dor
o que é isso, meu amor?
será que eu vou virar bolor?
venho me apegando ao passado
e em ter você ao meu
lado
não gosto do Alice Cooper
onde é que está meu rock'n'roll?
será que eu vou morrer de amor?
eu acho, eu vou voltar pra Cantareira
venho me apegando aos meus sonhos
e à minha velha motocicleta
não gosto do pessoal da Nasa
cadê meu disco voador?
onde é que está meu rock'n'roll?
será que eu vou virar bolor?
(...)