Eis o mistério ao pé de ti

Quando criança, me lembro de ter perguntado ao meu pai se as pombas que estavam perto de casa eram as mesmas que ficavam próximas à igreja Matriz da minha cidade. Lembro também de ele ter me explicado que não, que há pombas em diferentes lugares do planeta e que, ainda que com uma série de semelhanças, elas eram livres e diferentes entre si. 

Queria saber e perguntei.

Mas, agora: o que há no interior da Terra? Quando começa a vida? Deus existe? Há alguém além de nós? O que pensam os animais? Quais são as suas inquietações? O que é a ilha de Titã? Quem criou a Ilha de Páscoa? Há água na lua? Povoaremos Marte? O que acontece no Triângulo das Bermudas? (e o que não acontece?) A corrente do Golfo acabará com o mundo? E sol, explodirá? 

Queremos saber. Todos queremos saber.

Sansão e Dalila. Max Liebermann. 1902.

(...)

FAUSTO (EXTRACTOS)
Fernando Pessoa

quero fugir ao mistério
para onde fugirei?
ele é a vida e a morte
ó Dor, aonde me irei?

o mistério de tudo
aproxima-se tanto do meu ser,
chega aos olhos meus d'alma tão perto,
que me dissolvo em trevas e universo...
em trevas me apavoro escuramente.

o perene mistério, que atravessa
como um suspiro céus e corações...
o mistério ruiu sobre a minha alma
e soterrou-a... Morro consciente!

acorda, eis o mistério ao pé de ti!
e assim pensando riu amargamente,
dentro em mim riu como se chorasse!

ah, tudo é símbolo e analogia!
o vento que passa, a noite que esfria
são outra coisa que a noite e o vento –
sombras de vida e de pensamento.

tudo que vemos é outra coisa.
a maré vasta, a maré ansiosa,
é o eco de outra maré que está
onde é real o mundo que há.

tudo que temos é esquecimento.
a noite fria, o passar do vento
são sombras de mãos cujos gestos são
a ilusão mãe desta ilusão.


abraços
janeiro 24, 2022