A ciência da desobediência
Sempre fui obediente. Ou melhor: quase sempre. Minha desobediência, entretanto, jamais ousou romper paradigmas ou propiciar movimentações intensas. Sou um tanto quanto razoável, eu sei, preocupado mais com a energia dos sinais que emito do que com as ações que ofereço. Não me queixo, afinal, meu horizonte seria outro se não fosse assim.
Há, na região onde moro, um parque ecológico repleto de árvores, plantas e locais para a prática de esportes. Antes de se tornar um local público era um espaço privado cujo atrativo principal era poder acompanhar, entre outras modalidades, treinamentos e campeonatos de golfe.
Nas poucas visitas que fiz ainda pequeno, nunca fui além do que minha mãe permitia. O campo de golfe era imenso e um ambiente fácil para que uma criança medrosa se perdesse. Por isso, jamais conheci sua extensão máxima, ainda que comigo guardasse a curiosidade da exploração.
Obediente ao receio, não desobedeci.
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Henry Thoreau propôs a desobediência civil. Para ele, não somente um descumprimento de regras, mas um ato calcado na justificativa plausível - e legítima - de que podemos obedecer a algo, desde de que a obrigação nos seja justa. Um misto de liberalismo e anarquia política, andando juntos, sem receio, retroalimentando-se, afinal, a desobediência não tem lado.
O pacifista Gandhi caminhou quatrocentos quilômetros angariando apoiadores para coletar sal do mar. Sem nenhum equipamento, com as próprias mãos. Tudo em nome da desobediência, uma vez que a Inglaterra estava obrigando os indianos a pagarem preços altíssimos pelo produto.
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Não sei o ponto exato de uma ruptura. Nem onde, enfim, o elástico se rompe, gerando tensões e dividindo-se. Talvez quando há um estímulo, uma intenção, alguém esticando a corda. Talvez uma obra do acaso, quase um improviso.
Contra a desobediência, então, apenas a ordem? A punição? Ou mais liberdade? A desistência? E contra a obediência? Algo a relatar? Quais são as molas propulsoras das transformações?
Perguntas irrespondíveis, eu sei.
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A corte portuguesa havia dado o ultimato: Dom Pedro precisaria voltar. A intenção era que o Brasil voltasse a ser uma colônia de Portugal. Intenção velada, é verdade. Muito se comentava, também, sobre a possibilidade do país tornar-se independente, mas existia um medo gigantesco de sobre como isso se daria. Obedecer ou não ser: eis a questão.
Dom Pedro resolveu devolver a ordem que recebera com uma sentença, após saber que um abaixo-assinado havia sido feito para que ele ficasse no Brasil. E ficou, segundo ele, "para a felicidade geral da nação", rompendo com o pai, Dom João, e insubordinando-se a uma ordem superior.
Obediente à transformação, desobedeceu.
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Acho que o meu limite é meu norte, bússola e termômetro dos meus passos. Sombras que escurecem e iluminam o meu caminho. Sem medo, não há coragem, não é? Sem desobediência, o parque é curto, o álbum incompleto.
Um barco atracado ao cais não navega, mas também não naufraga.
Eu vou! Por que não? Porque não.
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| Aclamação de D. Pedro no Campo de Santana. Jean-Baptiste Debre. 1839. |