A anti-caixa de Pandora
A passagem do tempo, como se sabe, reúne todas as vivências compartilhadas numa mesma caixinha. Faz a gente achar que viveu pouco. Ou que não fez muito. Que a caixinha já não suporta mais peso. Que não há espaço para novas conquistas.
Despretensiosamente, se organiza para uma desorganização levemente caprichosa e embarrota item a item, sem ordem nem regra.
Basta sentar-se no sofá e abrir essa caixinha que uma chuva de instantes cai sobre a terra arrasada do esquecimento. Dispersas, as nuvens autobiográficas assustam pela quantidade. E se manifestam de forma mais bela pela qualidade.
Retrospectivas. Memórias. Reflexões. Em todo final de ciclo, lá estão elas, lado a lado, conversando como amigas que não se veem há muito tempo.
Ah, o tempo... engenheiro da saudade, alquimista dos sonhos, remédio e veneno.
Soa bem ao fundo um questionamento sonoro: há algo além do primeiro encontro? E dos demais? Respondo: sim, dentro de um encontro, há centenas de outros, e mais outros, e mais outros...
Que a partida não signifique, como sugere a palavra, separação de metades. Pois autodissonante, paradoxalmente imperfeita, a vida cria sua própria regra.
